google-site-verification=CikMQ90FidUj6FNShKo5KHyY17oDwxm11yEzwSavVLU
top of page

Terra e Conflito, tese de doutoramento de Margarida Sobral Neto, tem por objeto de estudo o senhorio do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra instituição que se implantou na região centro do país no tempo da Reconquista, marcando profundamente a vida económica e as relações sociais deste território até 1834, data da sua extinção.

Aqui ficam algumas mais passagens da referida tese:

"Regressando a Coimbra e partindo em direção à foz, entramos na fértil planície aluvial dos campos do Mondego. As terras marginais deste rio situadas entre Coimbra e Montemor-o-Velho pertenciam a vários senhores, destacando-se a Casa de Aveiro, o duque de Cadaval, o mosteiro de S. Marcos, a Universidade e o Cabido. Os domínios de Santa Cruz situavam-se logo a seguir a Montemor-o-Velho, passando o monte de Santa Eulália. Os campos de Maiorca e Verride eram uma das zonas mais férteis do senhorio, como decorre da descrição que dela traçaram os párocos em 1758.

O de Maiorca informou que “os frutos da terra” eram “milho grosso com abundancia e trigo e vinho com mediania. No Rio pescavam-se “mugens, robalos, linguados e lampreias com mediania”. Em relação às margens dizia que “todas” se cultivavam, para além de nela crescerem árvores “fructiferas”, que juntas com outras “infructiferas” faziam “este pays delicioso e ameno”. Para engrandecer o seu “país”, este membro do clero invocou a tradição segundo a qual nas areias se encontrara ouro “em outro tempo”.

Por sua vez, o pároco de Montemor escreveu que “os frutos mais abundantes” que produzia a “fértil campina” eram “milho, trigo, feijoens, sevada de que se prove grande parte deste Reyno, azeite que sobeja, e vinho quanto basta”. Na verdade, nestes campos fertilizados pelo Mondego prosperou a cultura do milho, planta que veio alterar profundamente a utilização do espaço de cultivo ao permitir a prática de uma policultura, bem como um equilíbrio entre a agricultura e a criação de gado, através do sistema campo-prado. Com efeito, a água e o nateiro fornecidos pelo Rio sustentavam a cultura do milho, feijão, abóboras, linho, melões, e posteriormente do arroz, bem como as pastagens. Os meios de subsistência e, em muitos casos de riqueza, dos homens que agricultavam ou possuíam terras neste espaço eram “um dom do Mondego”.

O rio era igualmente uma importante via de comunicação e transporte. Levava ao porto da Figueira ou a Coimbra a produção excedentária, factor que terá constituído um estímulo para o aumento da produção, e eventual especialização agrícola, de acordo com as solicitações do mercado.

Pelo mesmo rio vinha o “trigo do mar”, minorando, ou até impedindo, crises de subsistência e actuando como factor regulador dos preços.

De notar, porém, que a acção benéfica deste curso de água se verificava, fundamentalmente, nas zonas abrigadas da fúria devastadora das impetuosas cheias. No elogio ao Rio, e aos campos produtivos que o ladeavam, feito pelos párocos de Maiorca e Montemor-o-Velho, em 1758, não coube, porém, uma referência às cheias e aos dramas vividos pelos homens que sofriam as suas consequências. Mas a vida dos agricultores do Baixo Mondego foi, ao longo do tempo, pautada pelas incertezas do curso do Mondego. A colheita tanto podia ser generosa como magra. Tudo dependia da natureza das cheias, bem como da altura da sua ocorrência, factor determinante para a realização de novas sementeiras. Por sua vez, o assoreamento do Rio foi diminuindo, com o tempo, as condições de navegabilidade. Com efeito, se em meados do século XVIII o porto da Figueira registava um grande desenvolvimento devido ao facto de a Barra de Aveiro se encontrar danificada, a partir de finais deste século, o movimento comercial já era prejudicado pelo mau estado do porto. Esta situação dificultava a saída dos barcos e comprometia a exportação de produtos, nomeadamente fruta facilmente perecível, como era o caso da laranja. Eram causas naturais do assoreamento as areias que desciam dos montes, ao longo do seu percurso desde a nascente até Coimbra, mas também a ambição dos poderosos, que construíam ínsuas no meio do rio, fazendo com que as suas águas se dividissem e espraiassem pelos campos anexos, alagando-os e transformando alguns em pauis. O “Senhor do Rio”, o duque de Aveiro, bem como outros senhores, directos ou úteis, eram ainda responsáveis na medida em que retiravam ao produtor o excedente necessário para fazer face às despesas de reparação das valas de drenagem, única forma de minorar os efeitos devastadores do regime torrencial que caracterizava o Rio.

Os homens que agricultavam os campos de Maiorca e Verride habitavam nas terras do monte. Nestes lugares encontravam um sítio seguro fora do raio de acção das cheias, bem como espaços complementares de cultivo, fornecedores de cereais de sequeiro. Nas encostas plantavam ainda vinhas, olivais e pomares.

Maiorca e Verride foram os lugares escolhidos pelos Crúzios para instalar duas importantes reservas senhoriais onde praticavam exploração directa: as quintas de Foja e de Almeara. Estas quintas (em especial a última) destinavam-se a recreio dos Cónegos Regrantes. Por sua vez, da reserva senhorial de Foja vinham os frutos e as carnes para a despensa do Convento, bem como a lenha para consumo.

Das quintas os frades podiam observar as sementeiras e as colheitas, controlando a cobrança de dízimos, foros e rações provenientes do cultivo de terras, da laboração de moinhos e azenhas e da criação de gado. Saliente‑se que nas margens do Mondego, logo a seguir a Montemor-o-Velho, e ao longo do rio Foja e da vala do Tromelgo se situavam 3 importantes unidades de renda: Verride, Maiorca e a freguesia de Ferreira-a-Nova (distribuindo-se ao longo da vala do Tromelgo situavam-se os lugares pertencentes a esta freguesia: Santana, Azenha Nova, Porto Carvalho, Queridas, Fontinha, Cavaleiros, Ferreira, Porto Lamas, Casal da Areia, Canosa, Casal dos Netos, Zangas, Tromelgo e Coentros).

Aqui habitavam, em 1758, respectivamente 800, 2.135 e 492 “pessoas” e, em 1812, 948, 2.946 e 992 habitantes.

Confinando com as terras de monte de Maiorca, situava-se o couto das Alhadas. A freguesia de S. Pedro das Alhadas era composta por 6 lugares, que se distribuíam por uma estreita faixa, constituída por terras de campo e monte. Tinha o seu início na zona ribeirinha, indo terminar na parte sul da Gândara. No vale de Caceira, a sul das Alhadas, os frades possuíam alguns talhos de marinhas. Integrada no couto de Quiaios, e situada nas faldas da Serra da Boa Viagem, encontramos S. Teotónio de Brenha. As 265 “pessoas” que viviam em meados do século XVIII nesta freguesia praticavam uma agricultura de subsistência constituída por trigo, milho, cevada, feijão, vinho, cebolas e batatas, mas “nam com muita abundancia por serem as terras ásperas".

Uma ocupação intensiva do solo em que entrava já, sublinhe-se, o cultivo da batata, permitiu que o número de habitantes duplicasse na segunda metade do século e que aqui se registasse uma das mais elevadas densidades populacionais da zona.

As margens do Mondego, de Maiorca até à foz, foram objecto de intensa disputa entre Santa Cruz e a Sé de Coimbra. Para esta instituição eclesiástica ficaram os dízimos das freguesias de S. Salvador de Maiorca e S. Pedro das Alhadas e o domínio directo de Vila Verde, Lavos e Tavarede.



44 visualizações0 comentário
bottom of page